quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Romance

- Eu colocava um pé na frente do outro, movendo os braços no sentido inverso das pernas, ou seja: perna direita para a frente, braço direito para trás; perna esquerda para trás, braço esquerdo para a frente, e vice-versa. Desta maneira, conseguia me locomover numa velocidade regular, na direção do meu objetivo.

- Sim, sim. Você estava caminhando. E daí?

- Deparei-me com uma porta fechada. Ao lado da porta, uma espécie de painel com dois botões, um acima do outro. Fiquei, por instantes, perplexo. Procurei organizar meu pensamento. Decidi-me pelo botão inferior. Comprimi-o. Nada aconteceu. Já me preparava para afastar-me do local quando - subitamente - a porta se abre à minha frente. Vejo uma pequena peça com paredes revestidas de metal. Dentro, quatro pessoas em pé, olhando na minha direção. Uma quinta pessoa, vestindo uma indumentária vagamente militar, estava sentada e também me olhava sem curiosidade. Entrei no cubículo e, imitando os demais, virei-me na direção da porta, que se fechava. Acima da porta havia uma fileira de números que se iluminavam em sequência decrescente. "Quatro, três, dois...". Quem seriam aquelas pessoas, pensei. Que destino as teria reunido naquela pequena sala mal iluminada onde permaneciam de pé, em silêncio, sem sequer se olharem? Depois do um, no painel iluminado sobre a porta, havia outro número. Não, espere! Não era um número. Era uma letra. Um "T"! Ao mesmo tempo em que essa letra se iluminou, três coisas aconteceram. O homem de quepe, que manejava um tipo de manivela presa à parede do cubículo de aço, exclamou "Térreo", ouviu-se um "Ping", de procedência misteriosa e a porta se abriu à nossa frente. Imediatamente, como que tomadas pelo mesmo impulso, todas as pessoas se projetaram para fora e se dispersaram do outro lado da porta. Fui atrás delas.

- Certo. Você saiu do elevador. E depois?

- Ganhei a rua. Havia uma estranha luminosidade no ar. Uma luz intensa, absorvente. Olhei para o alto, tentando identificar a origem daquilo.

- Era o Sol.

- O Sol, como uma bola de fogo.. Levei a mão à garganta. Precisava, desesperadamente, afrouxar o nó da gravata. Dei um puxão. Nada. O que estaria acontecendo? Tentei outra vez. Ainda nada. Quase em pânico, repeti o gesto, desta vez com violência. Finalmente o nó cedeu. Suspirei aliviado. Mal sabia que o pior estava por vir.

- O que foi?

- Cheguei à borda de uma das partes mais altas que, dos dois lados da rua, servem de trânsito de pedestres.

- Da calçada. Sei.

- Da calçada. Preparei-me para atravessar a rua. Nisto, noto, no outro lado, uma série de três holofotes, digamos assim, de cores diferentes, em sentido vertical. O holofote de cima está brilhando. O vermelho. Sim, vermelho, cor do perigo. Uma cor dramática, gritante. Tomo aquilo como um aviso para não atravessar. Hesito. E se eu desconsiderasse o aviso e tentasse a travessia? Um daqueles bólidos que corriam sobre o asfalto como feras mecânicas certamente me acertaria. Eu voaria, descrevendo uma parábola no ar, e cairia longe, o meu sangue se espalhando pelo chão como uma vertente vermelha. Sim, vermelho, a cor da morte. Minha mãe receberia a notícia pelo telefone. Por alguns instantes fitaria o espaço, muda com o choque. depois cairia num pranto convulsivo, deixando o fone pendente do seu fio. como um pêndulo trágico. Decidi esperar. Dali a pouco, como que para recompensar minha paciência, acendeu-se o holofote amarelo e depois o verde. Atravessei a rua triunfante, desfilando diante das feras imobilizadas e contrafeitas como o Sadat passando em revista as tropas de Israel. Algumas roncavam ameaçadoramente, mas cheguei do outro lado sem maiores problemas. Outra crise vencida.

- E depois?

- Parei numa numa espécie de casebre de três paredes e um balcão na frente que vende publicações mensais, semanais e diárias. Atrás do balcão, cercado de mulheres nuas como um Hugh Heffner distraído, o dono do casebre me fazia uma indagação sem palavras. O que eu queria ali? "Me dê um JB", respondi, enigmaticamente. Ele entendeu e me deu o JB. Me dirigi para cá. Vi você sentado nesta mesa. Sentei também pesadamente com um suspiro, e agora vou chamar o garçom para pedir um chopp.

- Você, hein?

- Minha vida daria um romance, rapaz!

3 comentários:

Anônimo disse...

Enviei o dueto de Joe Strummer e Johnny Cash para o seu e-mail.
Seja sempre bem vindo ao Mimeógrafo.

Anônimo disse...

Belo texto!! Muito bom mesmo.

Abraços,
D.

Anônimo disse...

Gostei mt do texto!!
Bjos!!